………… .EDITORIAL. …………

Rev. Ang. de Ciênc. da Saúde. 2022 Jan – Jun; 3 (1): 1-3

e-ISSN: 2789 - 2832 / p-ISSN: 2789 - 2824  

Equipa Multidisciplinar de Profissionais de Saúde, Docentes e Investigadores Nacionais

 

 Dicotomias das parcerias de colaboração em pesquisa Norte/Sul Global

Dichotomies of Global North/South research collaborative Partnerships

Hermenegildo Osvaldo Chitumba*1 , Ronise Silva2

Palavras – Chave: Parcerias de colaboração; Norte/Sul Global; Cooperação

Keywords: Collaborative partnerships; Global North/South; Cooperation

 

1-     Faculdade de Medicina, Universidade José Eduardo dos Santos, Huambo, Angola. Orcid: 0000-0003-1905-137X

2-     Projecto Saúde de Bandim, Guiné Bissau. Orcid: 0000-0002-5799-323X

* - Autor correspondente. Email: chitumba16@gmail.com

DOI: https://doi.org/10.54283/RACSaude.v3i1.2022.p1-3            

 

       O termo Norte/Sul Global, é usado para descrever uma divisão geográfica generalizada em  que  o  Norte Global  representa  os  países  mais  ricos e/ou desenvolvidos, tais como, da América  do  Norte,  Europa,  Japão,  Austrália  e  Nova  Zelândia,  e  o  Sul Global  representa  a  maioria  dos  países  mais  pobres encontrados em África,  Ásia  e  América  Latina.  Dado seu significado inerente, até recentemente, a menção de qualquer tipo de relação entre  os  dois  sinalizaria  uma  associação  em  que  o  parceiro  do  Sul  era  visto  como  o  'receptor'  e  o  do  Norte  como  o  'doador'1.

        Tendo em conta o exposto, a cooperação Norte/Sul Global é definida como uma colaboração com vista ao desenvolvimento entre os países do Norte (desenvolvidos) e os do Su Global (em via de desenvolvimento) , nos domínios político-cultural, económico, social, ambiental e tecnológico. Este pode envolver dois ou mais países e abranger uma base regional, sub-regional e/ou inter-regional.

         Podemos dizer que sempre houve uma espécie de parceria de colaboração? afinal o que são parcerias?

         Decorridas várias décadas, muitos países do Sul/Global, ainda continuam sedentos e dependentes do Norte. Não somente de recursos materiais e financeiros, mas também de recursos humanos capacitados.

         Uma série de questionamentos podem ser colocados à mesa:

         Afinal de contas o que falhou e/ou o que tem falhado em tantas parcerias estabelecidas voltadas a capacitação e treinamento já feitos desde então? porque boa parte dos países do Sul não estão igualmente (ou pelo menos próximos) capacitados (em recursos humanos e equipamentos)?

         Será que as parcerias de colaboração Norte/Sul Global estabelecidas deixaram o Sul preguiçoso e dependente?

         Será que o Sul Global continua com a depressão pós-colonial e a inferioridade colonial? ou será que do Norte ainda abunda o poder colonial, fornecedor da sabedoria e recursos? O que tem faltado para o Sul Global levantar-se por si só?

         O que se sabe, é que, parcerias eficazes produzem sinergias positivas quanto as competências complementares, recursos, perspectivas e know-how compartilhado dos parceiros levando a soluções mais eficazes2.

         Deste modo, não seria lícito a continuação desta abordagem sem a distinção da palavra “parceria”, que pode ser definida como relações de trabalho colaborativas em que os parceiros podem alcançar mais trabalhando juntos do que sozinhos3.

         Perceba-se que, ao longo das últimas 6 décadas, os estados mais desenvolvidos elaboraram uma estratégia como forma de auxílio aos países em desenvolvimento. Esta ficou conhecida como Cooperação Norte/Sul Global,, que serviu como ponto de partida para a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID). Pelos vistos esta estratégia não foi suficiente para a independentização dos países do Sul, pois, as parcerias Norte/Sul Global actualmente resultam em menos benefícios duradouros para o Sul Global e com uma tendência regressiva, sendo analisada de forma crítica2.

         Os fundamentos que deram base a CID surgiram antes de 1945, a título de exemplo se pode assinalar os programas de ajuda humanitária do governo dos Estados Unidos, bem como os projectos de assistência técnica e do apoio das colónias pelas metrópoles europeias2.

         Portanto, a institucionalização da CID, teve início no final da segunda guerra mundial. Ou seja, as experiências a curto prazo (temporárias) movidas por interesse fundamentalmente diplomático ou humanitário, político, passaram a constituir um modo de actuação nas relações internacionais3.

         Já nos anos 90, a agenda da CID estava evidentemente mais ampliada de projetos e intervenções pontuais, ou seja, os principais doadores passaram a privilegiar programas (com metas e estratégias) e políticas, aumentando significativamente a envergadura temática e o raio de acção da cooperação para o desenvolvimento. As agendas abrangeram políticas sociais, instituições e governos. Assim, de uma cooperação inter-estatal, passou-se gradualmente a um sistema de cooperação que envolve múltiplos actores (Estados, organizações internacionais “ONGs”, e sector privado)2.

         Portanto,  a  colaboração  de  pesquisa  que  existia  entre  indivíduos  e  instituições  do  Norte  e  do  Sul/Global foi  descrita  por  muitos  como  colonialismo  científico4, tal como aquelas nas  quais  cientistas  do  Norte  chegam  a  um  país  africano colectam  amostras  biológicas e as enviam  para  análise  e  publicação  sem  mais  informações  de  seus  colegas  africanos. Ou quando  consultores  chegam  a  um  país do Sul Global,  utilizam  uma  parte  considerável  do  orçamento  de  pesquisa  em  um  curto  período,  consultam especialistas  locais  para  contribuir  com  seu  trabalho,  entretanto, publicam  os  resultados  sem  reconhecer  tais consultores locais.

         Muitas vezes este colonialismo científico é justificado, uma vez que é  o  colaborador  do  Norte  que tem ditado a  agenda  científica  e  a  sua  execução,  atendendo que o financiamento muitas vezes é  proveniente de suas instituições. Desta feita, os  pesquisadores  dos  países  em  desenvolvimento têm ficado à  mercê  de  seus  parceiros  do  Norte1.

         Reconhecendo as vantagens e problemáticas das parcerias de colaboração, a Assembleia Geral das Nações Unidas na sua agenda 2030 mediante o ODS 17, faz menção a esta matéria, pois visa: " reforçar os meios de implementação e revitalizar a parceria Global para o desenvolvimento sustentável ". Isto é, o desenvolvimento de parcerias com o objetivo de promove-las entre países de modo a reduzir as disparidades e lacunas encontradas entre países de alta renda e os de baixa e média renda, através do realce da necessidade de partilha de informações, transferência de tecnologias e criação de oportunidades de investigação2,3. Uma acção não apenas de receber4, mas uma chamada para um trabalho conjunto, integrativo das partes parceiras em todas as suas vertentes2,5.

          Apesar de tudo, mesmo de forma tímida, os parceiros do Norte têm estado a dar sinais para transformar as anteriores duvidosas colaborações Norte/Sul Global para a consolidação de uma “verdadeira parceria”1. Dentre várias iniciativas pode-se mencionar a publicação do guia para parcerias de pesquisa trans-fronteiriças (contendo  11 princípios para as parcerias de colaboração) pela “Commission for Research Partnerships with Developing Countries (KFPE)”4 já na sua 3ª edição. A KFPE promove a cooperação de pesquisa eficiente, eficaz e equitativa com países de baixa e média renda, contribuindo para o desenvolvimento sustentável local e ao mesmo tempo Global.

         Os cientistas do Sul Global também  vêm  tentando  desenvolver  princípios  para o estabelecimento de parcerias equitativas, como se pode constatar nas pesquisas feitas por Oni Et al.5 e Ijsselmuiden Et al.6

       Entretanto, é espectável que em um futuro próximo estas dicotomias verificadas no estabelecimento de parcerias de colaboração Norte/Sul Global sejam superadas de tal formas a dar primazia as parcerias mais justas, inclusivas e equitativas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- Binka FJTM, Health I. North–South research collaborations: a move towards a true partnership?. Wiley Online Library; 2005. p. 207-9.

2- Souza AM. Repensando a cooperação internacional para o desenvolvimento. Brasília - Brasil: Ipea; 2014.

3-Corbin JH, Jones J, Barry MMJHPI. What makes intersectoral partnerships for health promotion work? A review of the international literature. 2018;33(1):4-26. doi: https://doi.org/10.1093/heapro/daw061

4- Swiss Commission for Research Partnerships with Developing Countries - KFPE. A guide for transboundary research partnerships. Swiss: Swiss Academy of Sciences; 2012.

5- Oni G, Fatusi A, Tsui A, Enquselassie F, Ojengbede O, Agbenyega T, et al. Strengthening public health education in population and reproductive health through an innovative academic partnership in Africa: The Gates partners experience. 2011;6(2):193-209. doi: https://doi.org/10.1080/17441692.2010.491485

6- IJsselmuiden C, Duale S, Nchinda TC. Principles of good partnerships for strengthening public health education capacity in Africa. Washington, DC: Council on Health Research for Development and the Academy for Educational Development; 2004.

 

 

RACSAúde. Angolan Journal of Health Sciences.https://www.racsaude.com/